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18 de Maio de 2024

Aborto: é justo haver exceções?

Publicado por Aline Ferreira
há 11 anos

É impressionante como o curso de Direito é capaz de ampliar nossa visão das coisas. Eu, atualmente estudante de Direito, interiorana, sempre tão apegada ao senso comum (típico de quem nasce no interior e cresce ouvindo coisas tipo "comer manga com leite faz mal"), sofri uma notável mudança desde então. Nunca tinha parado para analisar certos assuntos de um ponto de vista mais científico.

Esse semestre na faculdade me deparei com um desafio ao ver que na minha longa lista de trabalhos a fazer constava uma dissertativa sobre o aborto. Nunca tinha me posicionado contra ou a favor, meu entendimento se resumia a "a lei sabe o que faz e o que ela diz sempre vai ser certo".

Meu posicionamento começou com a ADPF 54, aquela que defendia o aborto de fetos anencéfalos, julgada procedente pelo STF.

A decisão gerou intensa polêmica, principalmente no campo religioso. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB divulgou nota dizendo que "legalizar o aborto de fetos com anencefalia, erroneamente diagnosticados como mortos cerebrais, é descartar um ser humano frágil e indefeso. A ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente não aceita exceções".

A decisão do STF é uma decisão questionável, pois o assunto aborto, em geral, sempre gerou muita polêmica. O Código Penal criminaliza qualquer prática abortiva, com exceção dos casos de estupro e se não houver outro meio de salvar a vida da gestante. No caso do feto anencéfalo é certa a sua morte, de modo que não há razão para dar prosseguimento à gestação, torturando a mãe psicologicamente.

Mas nos casos permitidos não há grandes chances de ser uma vida saudável? Se é para discordar de exceções, são estas previstas no Código Penal que se deve questionar. Se o aborto é feito para salvar a vida da gestante, está se abrindo mão de uma vida para salvar a outra. As normas, entretanto, não têm o poder de dizer qual vida é mais importante, se a da mãe ou a da criança. Aliás, não dispõem de quais justificativas foram utilizadas para que se considerasse a vida da mãe mais importante que a do nascituro. Ao salvar a vida da gestante, tira-se do nascituro o direito à vida, previsto na Constituição Federal.

Os casos onde a mulher é vítima de estupro, até são justificáveis do ponto de vista psicológico, mas não no que tange ao direito à vida. A vítima de estupro sofre grande abalo psicológico e é até plausível a justificativa de que ela não quer em seu ventre algo que a lembre do ocorrido. Mas o feto, além de ter grandes chances de nascer com perfeitas condições de saúde, também tem o direito à vida, assim como os demais nascituros frutos de gestações "comuns".

Penso que se é para liberar, que seja logo liberada qualquer prática. Se é para criminalizar, que sejam criminalizadas todas as práticas abortivas. Não faz sentido a vida ser importante em alguns casos e em outros não.

Enfim, o aborto é um assunto que sempre causará polêmicas e questionamentos, apesar de muitos utilizarem o senso comum para se julgarem contra ou favoráveis. O tema do aborto desperta até mais polêmica e mobiliza os preconceitos das pessoas do que a discussão sobre parto humanizado e local de parto. Muitos dizem ser contra o aborto mas se dizem a favor da pena de morte. Sim, são casos diferentes, mas não se trata do direito à vida e à dignidade da pessoa humana em todos os casos?

Polêmicas à parte, todos temos o direito à vida e à dignidade, sendo estes irrevogáveis, desde a concepção até a morte.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/aborto-e-justo-haver-excecoes/111928241

47 Comentários

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Prezada Aline Samara, congratulações pela coragem em postar um pequeno ensaio sobre assunto polêmico e congratulações, principalmente, por permitir-se pensar de forma diferente do que pensava antes e estimular a sua curiosidade, para isso, também, devem servir não só os cursos de Direito, mas todos os cursos superiores, para questionar. Aqueles que estudam somente para repetir padrões e conceitos em nada contribuem com a ciência. Sobre o assunto aborto penso que passou a hora de abandonarmos o século XVI quando Estado e Religião se confundiam. O argumento religioso tomado como fundamento de qualquer tese é falho desde suas bases e desconsidero por completo. Passou a hora de as pessoas perceberem que a Religião é escolha individual e não pode ser jamais confundida com escolhas políticas e legais. Acho salutar que cada um se apegue a quaisquer princípios e dogmas religiosos, desde que não queira impor isso a outras pessoas. Se individualmente a escolha de uma pessoa é a escolha religiosa, ótimo, então case-se, engravide e mantenha a gravidez até o fim mesmo que ela seja fruto de sofrimento. O sofrimento e os desígnios divinos são mais aceitáveis para aqueles que tem fé na redenção, acreditam no pecado e na sua remissão. Mais uma vez, é salutar que vivam dessa forma aqueles que acreditam que a vida religiosa é a melhor escolha, mas nem todas as pessoas vivem assim, nem todos fazem essa escolha, afinal essa é uma escolha de ordem pessoal, íntima, pertence ao plano da vida privada. O Estado, contudo, deve ater-se em regulamentar e garantir direitos que atendam ao maior número de pessoas, da forma mais igualitária possível e buscar manter os assuntos de ordem privada onde eles devem estar e cuidar de assuntos de ordem pública. O problema do aborto no Brasil é um problema de saúde pública. O número de mulheres que morrem vítimas de aborto é muito maior do que o número de religiosas que tem gravidez indesejada. A escolha política de manter a criminalização do aborto ou descriminalizá-lo de vez deve pautar-se por critérios de ordem pública, visando ao bem público e ao atendimento do maior bem comum. Deve dar-se o direito de escolha às mulheres e, é bom que os religiosos de plantão se lembrem que o livre arbítrio é um dos pilares de qualquer religião. O direito de escolha permite àquelas que não desejam manter uma gravidez indesejada a interrompam e permite, também, àquelas que têm convicções religiosas mantenham a gravidez indesejada por suas próprias razões de foro privado. É bom lembrar, ainda, que a manutenção de muitas gestações indesejadas geram filhos rejeitados e renegados e abandonados, então, nem sempre, a proteção do nascituro significa a melhor escolha! Espero poder contribuir de alguma forma à reflexão sobre o assunto, não à mudança de opinião, pois não tenho esse poder (até mesmo porque posso estar enganada), e que não venham tentar mudar a minha forma de ver com argumentos fundamentalistas que nada fundamentam. continuar lendo

Dar upvote no seu comentário não foi suficiente.
Compartilho da sua opinião e gostei demais do modo como você a expôs.
Parabéns! continuar lendo

OOW Carolina! Esse foi definitivamente um comentário construtivo! Parabéns e obrigado. continuar lendo

É Carolina, o livre arbítrio nos foi dado porque somos seres pensantes, mas parece que o ser humano não faz isso, ou melhor só faz pensando nos seus próprios interesses. Mas sem falar de Deus e religião a criança não é um prolongamento do corpo da mulher, não cabe a ela escolher se ele vive ou morre. Acho que você não entendeu o que a Aline Samara colocou, o feto também tem o direito à vida, como consta na Constituição, não é religião, mas lei, leia o art. do Código Civil. aborto é assassinato de um indefeso. Você diz que é uma escolha da mulher, vou ampliar a situação, quantas garotas têm relação sexual e ficam grávidas sem querer? já que é uma escolha pode ela abortar? por que não espera a criança nascer e mata a criança? falar enquanto você não vê é fácil, agora matar uma criança depois que ela nasceu é mais difícil. o feto é um ser vivo, é gente, e a diferença dele para a mulher é o tempo e a nutrição, ele é minúsculo e se alimenta do que fornece o corpo da mãe. continuar lendo

Só aplausos!!! Ganhou meu respeito ;) continuar lendo

Como você, eu também já mudei de opinião vezes em relação ao aborto.
Hoje sou a favor do aborto em qualquer situação, pois, na minha concepção, trata-se de garantir o direito à igualdade.
As mulheres ricas que querem abortar tem seus meios, fazem viagens para países onde o aborto é legal, vão à caras e luxuosas clínicas clandestinas... Enquanto isso, as mulheres pobres morrem ao tentar técnicas perigosíssimas de eliminação do feto. continuar lendo

É uma pena que você pense assim. Você já nasceu mesmo, e acredito que ama a sua vida. Queria ver se fosse você o feto. Condenado a morte, sem crime. Por vaidade e egoismo de pessoas ignorantes. continuar lendo

Esse jargão "só defende o aborto quem já nasceu" é tão sofismático quanto o "se homens pudessem abortar, este seria tão comum quanto beber cerveja". Para defender qualquer coisa é necessário, além do nascimento, não possuir deficiência mental que limite substancialmente sua capacidade de discernimento e de expressão. Para defender direitos, com determinada eficiência, a nível nacional (até local), é necessário ter, além da ausência das deficiências mentais, um mínimo de nível econômico, atributos físicos, principalmente os concernentes a sexo e cor de pelé, e um discurso científico ou político que não seja evidentemente discriminado pela maioria. continuar lendo

o joão Paulo Bispo, Não entendi bem sua colocação (você usa muito termo técnico), sou leigo nessa parte, mais sou contra o aborto, e não vejo motivos, vazões, circunstâncias, para mudar de opinião.
1º A VIDA EM PRIMEIRO LUGAR;
2º HOMICIDO CULPOSO;
3º SEM CHANCE DE DEFESA;
4º A MEDICINA É PRA MATAR OU SALVAR VIDAS.???
A Vida vai passar a ser opção? bem intrigante, a vida começa na fecundação do ovolo, e É justo tirar a vida de pequeninos indefesos?
Bom é isso, espero que a sociedade se conscientize sobre o assunto.
e Piedade aqueles que ainda pensam em si primeiro. continuar lendo

Perdão pela minha linguagem, não é que você seja leigo, é que eu não me expressei simplicidade. Discordei somente do jargão "só é a favor do aborto quem já nasceu". Considero como se fosse uma frase sem sentido, algo usado para reforçar um argumento, mas sem sentido. continuar lendo

DEVE-SE pensar em si. Nesta vida nascemos e morremos sozinhos. Egoísmo é se deixar de lado pelo outro. Egoísmo da sociedade, que fala muito enquanto o problema não é seu. A vida em si é muito vago, ela vai além da vida propriamente dita! De que adianta o feto não ser abortado, e viver a vida toda sendo rejeitado? Isso é vida? Pra mim não! A gestação e o parto devem ser uma benção na vida da MULHER, não um sacrifício eterno, pois filho não tem prazo de validade. O aborto é um gesto do momento, o parto é um gesto vitalício. continuar lendo

Bom essa é uma questão muito delicada, cada caso é um caso, eu creio que neste mundo ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, se a criança tem algum problema, que seja, temos que deixar seguir a gestação e continuar o ciclo da vida, Deus sabe o que faz, não cabe a nós simples seres humanos decidir a vida de um indefeso no ventre da mãe, mesmo no caso de estupro, a criança não tem culpa, e por isso não deve ser condenada a morte, pois se trata de um inocentes, e nem mesmo os mais bárbaros assassinos no nosso pais são condenados a morte, e então por que um indefeso que não pode se defender, tem que morrer? é complicado pra mãe, por que não é o filho desejado, mais por outro lado, é um ser humano, tem o direito de viver, Acredito que nesses casos, a mãe tem que ter acompanhamento piscologico, e que no final tudo da certo, mais futuras mães, não querem ter filhos, mais depois que a criança nasce, nasce também um amor mais puro e sincero que é o amor de mãe. Bom essa é minha opinião. continuar lendo

Concordo plenamente Diogenes, não cabe a nós decidir quem deve viver, esse é o papel de Deus, se uma criança é diagnosticada com anencefalia, algum propósito Deus tem para a vida daqueles pais, é só ver os vários casos de mães que decidiram seguir com a gestação. Felizes que foram por ter tido a oportunidade de viver nem que fosse por menos de um ano na companhia de seus filhos.. continuar lendo

Eu discordo! Acredito que para a mulher, já basta a terrível situação do estupro e suas memórias inapagáveis! Do estupro ainda ocorrer de engravidar, o filho não seria uma benção, mas a concretização de um pesadelo para a mulher, onde diariamente ela se deparia com o fruto de um estupro, crime que atinge o físico, o intímo, o psíquico e até mais. A criança não pediu para nascer, não teve culpa, mas e a mulher vítima do delito? Pediu para ser estuprada? óbvio que não! E carregar em seu próprio ventre violentado um feto por 9 meses, indesejado e que não foi gerido com amor, é praticar o crime duas vezes com a mulher vitimada! continuar lendo

Com relação a salvar a mãe ou o feto, é uma decisão dificílima, mas me parece lógica. 30 pessoas estão na fila do cinema, mas existem apenas 10 ingressos. A preferência será dos 10 primeiros da fila. É uma questão de direito adquirido. Se não é possível salvar os dois, a preferência deve ser de quem chegou primeiro. Entretanto, pode-se também recorrer à ética de Immanuel Kant. Não faça escolhas. Tente salvar ambos igualmente e deixe que o destino decida qual sobreviverá. continuar lendo